Eu não esperava ficar tão triste com a morte do Louro José

Rafael Marcon
3 min readNov 2, 2020

Quando soube da notícia da morte de Tom Veiga, que apresentava o programa Mais Você junto com Ana Maria Braga, interpretando o Louro José, fiquei comovido. Natural, como acontece sempre que tomamos conhecimento da morte repentina de uma figura pública. Nesse caso, no entanto, o incômodo pareceu mais duradouro e sentido do que costuma ser, e escrevo esse texto tentando entender o que me faz sentir próximo dessa pessoa e, mais ainda, do personagem que ele interpretava.

Na minha família nós nunca fomos dados a papos profundos e grandes intimidade, e me lembrei que os jogos de adivinhação que o Louro protagonizava eram um assunto que eu tinha para interagir com a minha avó nos anos 90. O personagem, criado como uma estratégia para fazer a ponte na programação da TV, mantendo a audiência do bloco de desenhos animados interessada no programa feito para as donas de casa, servia como ponto de contato entre esses diferentes públicos, mesmo com o aparelho desligado.

Já faz muitos anos que não acompanho o programa da Ana Maria, mas a simpatia pelo boneco permaneceu, e é fácil deduzir que não sou exceção nesse sentido, vendo o tanto de memes e figurinhas de WhatsApp que aparecem com a cara do Louro o tempo todo. Ontem, relembraram no Twitter a forma como alguns estrangeiros reagiam ao ver o fantoche, com o mesmo uniforme da equipe jornalística, trabalhando na cobertura da copa do mundo de 2014 aqui no Brasil. A simpatia que o Louro mantinha entre públicos variados tem a ver também com o quanto ele representa esse traço do inesperado divertido na nossa combalida identidade nacional.

Sua função no Mais Você ia além da comicidade direta de um piadista, ele era quem dava um jeito de manter a atração palatável quando algo dava errado, quem contornava o constrangimento, e quem apontava os pequenos absurdos tipo servir uma lasanha a bolonhesa aos convocados às dez horas da manhã. No pomposo “Padrão globo de qualidade”, o boneco verde e amarelo se dedicava a fazer o programa rir de si mesmo, como a gente faz, levando a vida aos trancos e barrancos e tentando dar risada do que puder.

Em uma tentativa de explicar o jeito brasileiro de curtir o futebol, o cronista Antônio Prata diz que:

A vitória pra nós é a coroação da improbabilidade, da reversão da expectativa. Não vencemos “por causa”, vencemos “apesar de”.

O Louro José, como uma espécie de Grilo Falante do dia a dia da TV brasileira, também nos lembrava que algo de improvável é bem-vindo. Sua morte assusta, nesse ano que já nos tirou a alegria de Moraes Moreira e centenas de milhares de incontáveis outros, por fazer supor que possamos estar perdendo o jeito de rir, como se as coisas já estivessem ridículas além da conta, dando errado demais.

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